O SOM E A CURA – PAD Por Claudio Tognolli
Num país em que a música ora se compraz com a sofrência, com o funk mal rimado e com restolhos do rock deprê dos anos 90, uma nova alquimia altera a paleta de cores do cenário: o PAD, que é ninguém menos que Fabio Noogh (Vocal), Marcos Kleine (Guitarra), Leandro Pit (Guitarra), Will Oliveira (Baixo), Rodrigo Simão (Teclado) e Thiago Biasoli (Bateria).
A título de desassombro, já é bom ir dizendo: tudo no PAD é cantado em português. Os arranjos, borbulhantes, têm um quê herdado do Journey e Van Halen – referências que, para o PAD, funcionaram como antídoto ao desbunde depressivo que vagou, aqui e ali, entre estilos tão distantes e diferentes como as paixões contrariadas e os sonhos naufragados, hoje em moda.
As raízes do PAD datam em verdade e precisamente de 10 de março de 1985: quando um baterista de 15 anos de idade, encantado pela guitarra de Felipe Machado, do Viper, abandonou seu instrumento – e de pronto o trocou pelas seis cordas. Nascia ali Marcos Kleine, um autodidata em inglês, francês e nas nerdices – e que mais tarde passava ao grand monde do showbizz em 2004, quando começou a tocar com Leo Jaime, com quem dividiu os palcos por quatro anos e meio.
As mesmas raízes do PAD começam a se entranhar no solo prolífico do mais tradicional rock brazuca quando Marcos Kleine toca guitarra na Fabulosa Orquestra de Rock n Roll, em 2005, idealizada por Roger Moreira, fundador da banda Ultraje a Rigor. As afinidades eletivas compartilhadas entre Roger e Kleine tornaram os dois melhores amigos. E foi assim que, em 2009, quando Sérgio Serra abandona a banda, Marcos Kleine se torna o guitarrista do Ultraje a Rigor – uma parceria que perdura até hoje, e pode ser vista todas as noites, no SBT, no The Noite, de Danilo Gentili.
Marcos Kleine sempre trafegou com desenvoltura na mídia. Em 2004, ao vivo na Rádio Jovem Pan, o apresentador Milton Neves o chamou de “o Pelé da guitarra brasileira”. E a exemplo do guitarrista inglês Jeff Beck, o maior destilador de solos em estádios de futebol, em todo o mundo, Kleine não fez por menos: executou seu solo no último jogo (Palmeiras versus Boca) realizado no antigo estádio do Palestra Itália: e com seus solos refinados, mais uma vez, inaugurou o novo estádio do Palmeiras, a Arena Allianz, na presença do seu ídolo Ademir da Guia.
Somada toda a experiência de Kleine e de Fabio Noogh ao bom gosto desfilado por anos a fio pelo restante da banda, o PAD surge como um arco-íris no atual estado de coisas. Talvez seja um dos poucos trabalhos, no cenário em voga, em que você se esquece da tecla shuffle e se auto-deseja um sonoro “boa viagem”.
A obra abre com “Esse Quam Videri” (expressão do latim “Ser, ao invés de parecer”), de estilo sincopado, com um tapete original de guitarras sobrepostas, cheias de notas inesperadas, tecendo uma avalanche controlada enquanto você ouve “Engole o choro, encare o meu olhar. O mundo adora vir bater de frente”. “Sem Destino” vem com uma bateria fervorosamente pontual, com guitarras em pizzicato, meio abafadas, percussivas, e bem ali os vocais bradam “Quanto mais eu me escondo, mais eu me firo”. Guitarras que reformulam genialmente o clássico efeito de chorus pontuam “Sim Ou Não”, numa pegada pra lá de espacial, bordando letras sobre o dilema da desilusão amorosa.
Já em “Eu Sou O Cara”, um slide enlouquecedor da guitarra abre a balada, acompanhado por uma colha de violões. Lembra dos sequencers psicodélicos que o The Who botava numa e noutra música? Você os encontra modernamente atualizados em “Guerreiros Pacíficos”: genialmente pontuados, a ponte de se recolherem quando da entrada de guitarras comedidamente enlouquecidas. O mesmo espírito de teclados brota de “Estranho Mundo Novo”, em que pianos bem costurados com teclados Moog resgatam levemente o mais elegante do progressivo, sem no entanto deixar que as baterias se façam militarmente presentes.
Pense em algo aceleradíssimo, como se você estivesse descendo a serra numa estrada de ferro a 200 km por hora: essa é “Not so Vain”, onde as guitarras psicodélicas, de tão boas, geram um vazio no fígado. Uma elegância na conversa entre guitarras comprimidas e teclados refinados você já conhece dos The Killers: mas em “Um novo amanhã” o PAD resgata a mesma finesse de maneira ainda muito mais fungível, um diálogo dos diabos. Um leve tom de tristeza abre “Esse É O Amor”, mas não se amofine: logo as guitarras em pizzicato se abrem do diálogo com a bateria e sobrevém uma onda de felicidade, na melhor técnica de luz e sombras.
Por fim, “Tanto Tempo” resgata um pequeno quê de surf music, mas de uma pegada borbulhante, assertiva, que renova o estilo em algo que alguém chamaria de “surf music pós moderno”.
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